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terça-feira, 30 de novembro de 2010

HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE



Humanização da Saúde



Artigo pubicando pelo Dr. Jurandir Brainer


Coordenador Médico do Fiqbem




“O maior erro dos médicos é tentar curar o corpo sem procurar curar a alma. Entretanto, corpo e alma são um e não podem ser tratados separadamente”.


Platão





Evidencia-se que desde a época de Platão já havia uma insatisfação nos rumos da Medicina, pelo menos por parte dele.


O que provoca no médico essa dicotomia?


Onde aconteceu esse desvio de rumo?


Como explicar que pessoas que escolheram espontaneamente (em sua grande maioria) dedicar suas vidas a cuidar de outros seres humanos, possam produzir erros primários de relacionamento, pondo a perder muitas vêzes um belo “trabalho técnico”, levando inclusive o objeto do seu trabalho (o paciente) a perder a confiança e o respeito?


Em nossa opinião, as causas da “Desumanização da Saúde”, especificamente da Medicina, estão relacionadas com os seguintes aspectos:





  • FORMAÇÃO PROFISSIONAL


  • POLÍTICAS DE SAÚDE


  • PROLETARIZAÇÃO DO MÉDICO


  • ÉTICA SOCIAL


Para entendermos a participação da Formação Profissional nesse processo será necessário compreender todo o processo histórico, desde a passagem da “Medicina Religiosa” (Mística), onde os povos mais primitivos procuravam aliviar o sofrimento ou curar seus semelhantes através de poções mágicas ou rituais religiosos, para a “Medicina Hipocrática”, onde foram introduzidos o método clínico, com os fundamentos da anamnese e do exame físico, sem mencionarmos os Príncipios Éticos, através do Juramento Hipocrático, origem de todos os Códigos de Ética Médica.


Em 1910, Abraham Flexner elaborou um relatório onde era analisado o modelo de transmissão de conhecimento nas Escolas Médicas Americanas e impunha mudanças necessárias naquele sistema de ensino, adotando uma sistemática de aprendizagem baseada na Doutrina Cartesiana, onde as doenças eram compreendidas como processos individuais, naturais e biológicos, guardando relações exclusivas com determinados orgãos, achando-se que conhecendo as partes, mergulhando nas suas intimidades, conheceríamos o todo. Este sistema, na verdade, revolucionou a formação médica americana e brasileira, sendo adotada pela quase totalidade das escolas médicas brasileiras, e até meados da década de 70 cumpriu muito bem o seu papel. Porém a partir de então, quando também aconteceu um maior incremento da tecnologia na área médica, tiveram inicio graves problemas, que não foram diagnosticados de imediato, e como bem analisa o Professor José Eduardo Siqueira (2000) passamos a esquecer o todo, deixamos de contemplar o ser humano em toda sua complexidade biopsicosocioespiritual. O estudante de medicina aprende a dividir o objeto de seu estudo em partes, conhecer essas partes, uni-las e tentar reconstruir o todo. As informações extraidas dos equipamentos deixaram de ser consideradas complementares e passaram a ser soberanas, ocupando o lugar reservado ao raciocinio clinico.


Como conseqüência desse Modelo Flexneriano de ensino médico em conjunto com a “Tecnologização da Medicina”, passamos a ter:



  • um crescimento de especialidades e sub-especialidades com um menosprezo ao médico generalista tanto do ponto de vista cientifico quanto de remuneração,

  • uma alteração para pior da relação do médico com o seu paciente, com o médico escondendo-se atrás das máquinas e com isso perdendo espaço junto aos pacientes para outros profissionais da saúde que identificaram mais essa falha e, naturalmente conquistaram o espaço vago,

  • uma péssima utilização do arsenal de métodos investigativos e novamente negligenciando o maior diferencial que o profissional da medicina tem que é a anamnese e o exame físico, e com essa dependência tecnológica passou a esquecer os limites naturais do ser humano e criou a obstinação terapeutica, presente principalmente em nossas UTIs, onde em vista dos treinamentos recebidos (Modelo Flexneriano) e da sofisticada tecnologia presente passou-se a internar nesses locais pacientes cronicos e sem perspectivas de reversao do quadro clinico, que não se beneficiam e, pior, são tratados como pacientes “salváveis” quando apresentam intercorrências, e com isso provoca-se uma manutenção do sofrimento de todos, pacientes e familiares, com aumento dos custos da saúde e dificuldades de vagas para quem realmente precisa.


Além dos problemas expostos na questão da formação médica, temos problemas graves nas Politicas de Saúde em todos os niveis (Federal, Estadual e Municipal). Classifico como “Politicas de Saúde” tudo que é ou deveria ser normatizado pelo poder público, desde o desmando provocado pela quantidade exagerada de faculdades de medicina, em sua maioria ligadas ao setor privado e desprovidas das mínimas condições de funcionamento, em detrimento das faculdades do sistema oficial de ensino onde os professores após terem conseguido, com todas as dificuldades inerentes, suas capacitações, são praticamente empurrados, por falta de apoio, para essas faculdades sem propositos sociais para a comunidade.


Coloco também nessa classificação a falta de normatização para abertura de serviços de saúde, não importando a real necessidade dos serviços, a quantidade de especialistas ou máquinas disponiveis na região, mostrando que o poder publico deixa de exercer o seu papel de regulador do sistema, interferindo diretamente no setor e provocando uma concorrência autofágica e por vêzes desleal.


Portanto, vemos que existe uma quantidade exagerada de médicos colocados para trabalhar pela quantidade absurda de faculdades de medicina existentes, faculdades essas em sua grande maioria sem condições de funcionamento, uma concorrência desleal por falta de normatizações do poder público, levando a medicina a ser tratada como um comércio e acostumando aqueles que a exercem e aqueles que serão os seus objetivos (pacientes) a se colocarem como adversários, com desconfianças, esquecendo-se que o fruto do trabalho de ambos é o bem estar do ser humano.


Chegamos a um ponto de desvirtuação que o paciente não tem mais o direito de escolher o seu médico, a relação tem um intermediário que dita as normas, e novamente o poder público foge da sua obrigação de definir as condutas desse “mercado”, provocando toda uma sorte de pressões e indefinições, com atitudes que ferem frontalmente a ética médica e, muitas vêzes, dispositivos legais das áreas do Direito Cívil.



A proletarização do médico está totalmente explicada quando discorremos sobre as “Politicas de Saúde”, pois com tudo que foi dito fica claro que a Medicina passou a ser encarada como um valor de mercado, estando em alta para o estudante de medicina desde o ínicio do curso as especialidades que são mais rentáveis, e com isso, o objetivo de ser médico deixa de ser o de promover o bem estar para uma sociedade mas o de poder sobreviver financeiramente, principalmente porque as políticas financeiras para os médicos não existem.


Não existe um Plano de Cargos, Carreiras e Salários.


Não existe um Plano de Interiorização para médicos.


Cerca de 40% dos médicos recém-formados não têm asseguradas vagas para Residência Médica, porque muitas das faculdades abertas nos últimos 30 anos não têm hospitais que lhe dêem suporte, são apenas colocadoras de “profissionais no mercado.


Ainda temos pouco desemprego na medicina mas temos muito sub-emprego, e se nada for mudado, estaremos proximamente nos degladiando também para sobrevivermos.



Para finalizarmos, é importante que demos o destaque que realmente merece a “Ética Social”, pois em um momento onde procura-se enfatizar a competição entre as pessoas, muitas vêzes com métodos impróprios, onde aparecer em “Mídia” passa a ser mais importante do que o trabalho construtivo e anônimo, onde a beleza física e o ter ocupa mais destaque do que o ser, passa a ser compreensível o jovem querer ser médico para ganhar muito dinheiro, dar entrevistas, ter uma especialidade que trabalhe pouco e a máquina trabalhe muito, onde o paciente seja visto como mais um e apenas no segmento (especialidade) que o interesse, onde as outras profissões que compõem a equipe de saúde exerçam papéis secundários e sejam tratadas com prepotência e autoritarismo, portanto para mudarmos toda essa situação não podemos esquecer da necessidade de também mudarmos a compreensão de todos sobre a Ética Social.



É fundamental que o médico estabeleça um vínculo emocional com o paciente e seus familiares, que significa oferecer-se como ser humano, não somente ouvinte disposto a receber palavras, mas também sentimentos”.


“ O médico deve entender que uma melhor relação estabelecida com seus pacientes, além de ter influência fundamental para eles, poderá possibilitar o seu próprio crescimento pessoal e profissional”.


Wilson de Oliveira Jr. (2003)



Referências bibliográficas:




  • Erro Médico, III Edição – Gomes, Julio Cezar Meirelles, Ed. Unimontes, 2001.



  • Admirável Mundo Médico – Bezerra, Armando José China, CRM-DF, 2002.



  • A Relação com o Paciente – Rita Francis Gonzales Y Rodrigues Branco, Guanabara Koogan, 2003.